Muitas vezes uma coisa que não queremos e que somos forçados a admitir será de grande relevância para as nossas vidas. Aconteceu assim comigo quando acabei indo morar em Astorga, uma linda Cidade do Norte Paranaense, hoje também conhecida por ser a Cidade de origem da dupla Xitãozinho e Xororó.
Eu morava no Rio de Janeiro e fui aprovado no concurso para o Banco do Brasil, devendo tomar posse em Astorga-Pr. A alegria de passar no concurso ficou empanada pelo espanto de ter que morar numa Cidade até difícil encontrar no Mapa do Brasil. Nem sabia que a Região Norte do Paraná era, naquela época de 1964, o grande "El Dourado" da produção agrícola. Suas terras denominadas como a mancha roxa do Paraná atraíam fazendeiros de todo o Brasil, devido a alta produtividade agrícola, num tempo em que o adubo químico npk era muito pouco conhecido.
Relutei. Recorri o quanto pude e até pedi ajuda aos políticos a quais tive acesso, inclusive o Sr. Ministro da Agricultura da época. Tudo em vão. Astorga era o meu destino que, na juventude, me parecia um destino sombrio e implacável, longe das minhas queridas praias cariocas. Parecia uma punição.
Muito chateado, lá fui eu cumprir a minha sina. Se tristeza matasse... Dormi toda a viagem de 16 horas até Londrina (a 60 km do meu destino final). Londrina também não era a bela cidade de hoje que rivaliza com a bela Capital Paranaense. Na época, me pareceu muito suja e empoeirada.
Cheguei ao meu destino no pior ônibus que conheci, apos andar 60 km, na pior estrada que poderia imaginar. Poeira e buracos, salteados por paradas em cada "carreador" - estrada no meio da lavoura - do trajeto. As ruas de Astorga, apesar de largas, como convém, eram todas de terra batida. A poeira que se levantava com a passagem de um veículo só perdia para a poeira de Brasília, a nova Capital do País, ainda em plena construção. Cada carro que passava levantava uma verdadeira nuvem de poeira a qual, com muita sorte, baixaria ao solo antes de passar o próximo carro. Resultado, eu que sempre fora alérgico a poeira, dessa vez, ou me curava ou morria ali mesmo. Como não planejava morrer, andava com um lenço molhado que colocava no nariz, sempre que necessário, nos percursos de casa ao trabalho e do trabalho para casa. Havia quem achasse graça...
Quase esqueço de dizer que os táxis eram charretes puxadas por cavalo e que faziam ponto na improvisada rodoviária. Esse foi o meu primeiro passeio pela Cidade, necessário para chegar ao Grande Hotel, na praça central, uma área de terra com uma passagem "pisada" no meio que ia até à porta da Igreja. Lembro-me que o primeiro olhar sobre as extensas áreas verdes das lavouras na planura, quebrada aqui e ali, por pequenas ondulações, me traziam à lembrança o mar e suas ondas mais distantes.
Após uma tomada de realidade, comecei a curtir as coisas boas da minha nova situação. Morar numa república de rapazes era algo bem diferente e até agradável. Paguei pedágio de entrada, paguei trotes de bebidas... enfim, me deslumbrou a total liberdade de rapaz, que podia voltar pra casa se e quando quisesse, sem ouvir comentários desairosos. Era interessante aquela solidariedade que rola entre pessoas presas a um destino inesperado.
Lembro-me de dois eventos a que compareciam toda a turma jovem da Cidade. Ninguém perdia a única sessão do cinema no domingo á noite e nem, mais cedo, às 10 horas da manhã, a santa-saída. Como se fosse algo já combinado, a santa saída funcionava assim: As moças iam todas para a missa das 10 horas e os rapazes, quase nada religiosos, postavam-se na alameda central da praça, formando uma improvisada passarela - Era a Santa Saída. As moças em suas melhores roupas e sapatos passavam altivas, sabendo-se admiradas. Os cumprimentos e sorrisos discretos eram um prêmio apenas para os rapazes preferidos, os quais, via-de-regra, aproveitavam a deixa e acompanhavam as meninas até às suas casas, tudo no maior respeito e cordialidade. Os demais iam para o boteco próximo comentar sobre a beleza das suas preferidas, para as quais dedicaram sorrisos e discretas piscadelas. Alguns pais zelosos não apreciavam aquele ritual de aproximação e proibiam suas "jóias" de sorrirem ou olharem para os lados e, para segurança, seguiam a pequena distância, atentos ao menor deslize.
Morei em Astorga por seis anos. Lá me casei e voltei ao Rio com duas filhas que lá nasceram. Fui morar em Niterói, outra cidade que adoro, até porque lá criei todos os meus filhos. Quando voltei para o Rio, Astorga já tinha suas ruas quase todas asfaltadas, praça ajardinada e novos bairros iam surgindo. Ninguém se lembrava mais da poeira e da falta de luz constante dos meus primeiros dias ali. Deixei lá muitas amizades que se distanciaram, mas que ainda vivem na saudade.
O Banco do Brasil era um catalizador de interesses e o principal órgão que fomento do grande progresso de toda a Região Norte do Paraná. Nós os funcionários nos sentíamos orgulhosos de fazer parte daquele progresso da Cidade e do País, que se mostrava a olhos vistos. Não éramos apenas funcionários do banco, além de uma grande família, éramos queridos e respeitados por toda a população. Os jovens funcionários, quase todos solteiros, eram, também, bons partidos para as "moçoilas casadoiras".
Ficar preso 24 horas, como "quase" preso político, é uma outra história que conto depois.
Tempo bom. Um lindo pedaço da minha vida que eu teimava em não querer viver, daquela forma...
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