Por mais de cinco anos, eu morei em uma comunidade carente no Rio de Janeiro. A última parte da minha infância, passei brincando pelas ruas e becos de uma "favela" carioca.
Era uma vida normal e sem sobressaltos. Eu me lembro de que todas as crianças iam para a escola e que os adultos saíam, normalmente, para trabalhar. Ou seja, ali viviam pessoas honestas e trabalhadoras, como outras de qualquer parte da Cidade. Morar ali era apenas uma contingência econômica e social.
Crianças, a partir de 10 anos, ficavam sozinhas em casa e, inclusive, faziam os trabalhos domésticos possíveis. Aos 14 anos ingressavam no mercado de trabalho na condição de "Menor Aprendiz", ganhando metade do salário mínimo.
As pessoas eram muito amistosas e sempre havia um convite para degustar algo especial em casa vizinha, ou mesmo, só o cafezinho tradicional. À noite, o bate papo nas calçadas era o momento de descontração e o encerramento do dia. Não havia ainda a TV e as pessoas se reuniam em torno de um rádio para ouvir as novelas da época. Muitas vezes se dormia com as janelas abertas e as portas apenas encostadas, não havia qualquer receio.
As pessoas eram muito amistosas e sempre havia um convite para degustar algo especial em casa vizinha, ou mesmo, só o cafezinho tradicional. À noite, o bate papo nas calçadas era o momento de descontração e o encerramento do dia. Não havia ainda a TV e as pessoas se reuniam em torno de um rádio para ouvir as novelas da época. Muitas vezes se dormia com as janelas abertas e as portas apenas encostadas, não havia qualquer receio.
Conheci outras comunidades do gênero como as do Jacarezinho, Mangueira, Morro São Carlos, Benfica e Braz de Pina, pelas quais transitei para jogos, eventos e namoricos. Não havia violência e nem rivalidades territoriais. A polícia quase nunca era solicitada e só casos de brigas eventuais chamavam a atenção coletiva. O documento necessário de se portar era a Carteira de Trabalho, assinada. Em "blitz" de rua o policial nem cogitava de pedir identidade, pedia logo a Carteira de Trabalho.
Havia os "malandros", uns poucos adultos que não gostavam do batente, e que gastavam o tempo no carteado ou bebericando nos botecos. Estes, se dizia à boca pequena, faziam seus ganhos sobre o dinheiro alheio - pequenos assaltos que praticavam bem longe do local de moradia - por isso que ninguém sabia ao certo dessas atividades e evitavam comentar. Era sabido que os "malandros" não trabalhavam, entretanto, nunca incomodavam qualquer morador da sua comunidade.
Era um tempo de tanto sossego e solidariedade humana que até me causa certa nostalgia. A precariedade de recursos unia os vizinhos que sempre se ajudavam numa construção ou reforma, ou mesmo em caso de doença.
Não posso dizer que era algo agradável morar num local de nenhuma, ou quase nenhuma, estrutura urbanística ou sanitária, mas posso dizer que algumas pessoas estabeleciam tal vínculo com a Comunidade que, mesmo podendo mudar-se para um bairro, ali permaneciam enredados pelo acolhimento social.
O crime ainda não se havia organizado em quadrilhas para o fornecimento de drogas ou armas e nem operavam com logística para assaltos de maior envergadura. Entretanto, não tardou muito para que as favelas fossem tomadas para se tornarem esconderijos de criminosos, adquirindo caráter de "fortalezas" e feudos privados, com lei e justiça próprias.
Em boa hora chegou o programa de pacificação que, aos poucos, retoma dos traficantes e das milícias, o controle das comunidades carentes do Rio de Janeiro. É uma operação de libertação, digna de todos os elogios. Ser pobre já não é fácil, conviver e sujeitar-se ao domínio de malfeitores é uma situação humilhante e de total ausência dos direitos fundamentais do cidadão. Deve ser horrível ter a sua família, crianças e adolescentes, à mercê de bandidos perigosos, entre eles, adolescentes armados.
Eu morei na favela da Barreira do Vasco, em São Cristóvão, na década de 1960. Ali havia como maiores vantagens não ser um morro e haver os ônibus e bondes que passavam bem ao lado.
Hoje moro em casa própria e bem situada, em outra capital, no entanto, considero proveitosa a experiência de haver morado em uma Comunidade Carente e, antes disso, em casebres sem água e, às vezes, sem luz. Significa que evoluí com boa compreensão dos problemas sociais, fato que me orienta quando escolho um representante político.
Parabéns aos governos Estadual e Municipal do Rio de Janeiro pela implantação do Programa de Unidades Pacificadas, o qual, ao tempo em que remove boa parte da violência urbana, devolve a dignidade aos moradores menos favorecidos dessa bela Cidade do Rio de Janeiro.
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