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Eusébio, Ceará, Brazil
Nasci no ano de 1940 e sou um velho espírita que vive no Brasil.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O DIA EM QUE EU IA MORRER


No meu tempo de criança, lá nas Minas Gerais, e lá se vão muitas décadas, diziam que tomar leite e comer manga, em seguida, era como ingerir veneno. Morte certa! Afirmavam os mais velhos e todos acreditavam. Ninguém se aventurava a conferir se tal crença era verdade ou lenda. Tá bobo, sô!

Naquele dia, jantei normalmente, ou seja, comi o quanto pude. Moleque esfomeado eu, nem de ouvir, conhecia a palavra saciedade. Terminada a refeição, a ordem era correr para brincar aproveitando o que restava do dia.

Corre pra lá, corre pra cá e eis que, de repente, lá estava aquele homem vendendo mangas. Eram mangas madurinhas, cheirosas, suculentas, daquelas que ninguém pode resistir, principalmente, se esse alguém for um menino de dez anos.

Não teve jeito, as moedinhas, juntadas com tanto esforço e carinho, mudaram de mãos, trocadas por duas mangas, escolhidas, a dedo, entre as maiores, é claro. 

Fui comê-las lá, bem longe, onde nenhum "menino pidão” pudesse me ver. Não ia correr o risco de partilhar o meu delicioso banquete. As mangas estavam mesmo deliciosas, doces como mel.

Corria tudo muito bem quando, de repente, eu me lembrei que havia tomado um copo de leite, como era a regra, após o jantar.

Pronto! Tocou o terror, como dizem os jovens de hoje. Essa lembrança foi o bastante para eu arremessar o resto da última manga para bem longe. E agora? Eu estava envenenado, prestes a morrer.

De repente, o apagão mental, normal, naquela situação extrema. O cérebro só retomou o raciocínio, aos poucos. 

Era necessário me organizar para morrer sem pagar mico. Menino prefere morrer do que pagar mico para os colegas. Aliás, era essa a situação real: Eu ia morrer e não queria pagar aquele mico enorme.

Fazer o quê? Eu precisava era de morrer com dignidade. O primeiro passo seria escolher um lugar adequado para morrer.

Na visão de um menino, um bom lugar para morrer seria em cima da caixa d`água. Lá, bem no alto, ninguém poderia me ver pagando o tal mico de morrer. E que mico? Não poderia haver maior. Depois de morto, lá no alto da caixa d`água... alguém resolveria o resto da história.

E lá estava eu, deitado, para morrer. As estrelas começaram a surgir no céu. 

Na primeira estrela que vi, pensei rapidamente: “Primeira estrela que eu vejo, me dê tudo o que desejo”, era essa a nossa brincadeira de todos os dias, ao anoitecer. O pedido só valeria para o primeiro que falasse. Naquele noite eu não tinha concorrentes. Também, de que me adiantaria o pedido se ia mesmo morrer a qualquer momento? 

Mais estrelas foram preenchendo o céu azul que, rapidamente, ia se tornando escuro.

Como é lindo o lugar em que Deus mora, pensei. Mas como será que se equilibra o palácio de Deus, solto lá no céu, por cima de todas aquelas estrelas?

Já estava escuro e eu, ali, aguardando. O pensamento dava voltas. Como seria morrer? Será que dói? Sempre detestei sentir dor, um verdadeiro pavor. Aprendi, naquele dia, que a pessoa que vê sua morte iminente e a aceita, já não tem medo de morrer, apenas aguarda.

O tempo foi passando, a temperatura esfriando e eu, já com um medo danado de cair dali. Não, não iria cair, aliás, nem ia descer. Se ia morrer, não precisaria descer. 

E a morte... nada de chegar.

Cansado e com medo, resolvi descer dali. Morrer por morrer, posso morrer em qualquer lugar, pensava... Vou pra minha cama, pelo menos lá morrerei num lugar bem quentinho. 

E foi isso que eu fiz: Desci e me aconcheguei na cama, sem dizer nada a ninguém. Fechei os olhos e fiquei bem quietinho. Com sorte, morreria dormindo e nem sentiria nada.

No dia seguinte, acordei forte e bem disposto, alegre porque tinha escapado dela, a magrela.

Atualmente, as lanchonetes servem suco de manga batido com leite e os amigos me dizem que é uma delícia. Eu acredito, mas, por via das dúvidas, nunca tomei. Não quero abusar da sorte mais uma vez.

Nunca esqueci daquele dia, quase fatídico  em que eu ia morrer.



.-.-.-.-.-.-.-.






4 comentários:

  1. Ah pai...
    Como é bom ler os seus escritos. Mesmo sendo uma estória para mim já conhecida eu ri e gargalhei como se a visse pela primeira vez...
    Sei que vc é o pai e eu o filho, mas vc me enche de orgulho!!! Esse é o MEU garoto!!!

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  2. Esse causo é bem antigo e famoso na família Eller!! Muito engraçado. De fato, se estenderá por muitas gerações!!

    Beijos Vitinho!!

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  3. Obrigado Janine. É uma grande honra vc ter lido e gostado.
    abr

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