Instrução de Allan Kardec (espírito):
“Quando eu me achava corporalmente entre vós,
disse muitas vezes que havia de fazer aí uma história do Espiritismo, que não
seria destituída de interesse. É este, ainda agora, o meu parecer e os
elementos que eu reunira para esse fim poderão servir um dia à realização da
minha ideia.
É que eu, com efeito, me encontrava mais bem
colocado do que qualquer outro para apreciar o curioso espetáculo que a
descoberta e a vulgarização de uma grande verdade provocara. Pressentia
outrora, hoje sei, que ordem maravilhosa e que harmonia inconcebível presidem à
concentração de todos os documentos destinados a dar nascimento à nova obra. A
benevolência, a boa vontade, o devotamento absoluto de uns; a má-fé, a
hipocrisia, as maldosas manobras de outros, tudo concorre para garantir a
estabilidade do edifício que se eleva. Nas mãos das potestades superiores, que presidem
a todos os progressos, as resistências inconscientes ou simuladas, os ataques
visando semear o descrédito e o ridículo, se tornam elementos de elaboração.
Que não têm feito! Que é o que não têm posto em
ação para asfixiar no berço a criança! A princípio o charlatanismo e a
superstição quiseram, ora um, ora outra, apoderar-se dos nossos princípios, a
fim de os explorarem em proveito próprio; todos os raios da imprensa se
projetaram contra nós; chasquearam das coisas mais respeitáveis; atribuíram aos
Espíritos do mal os ensinos dos Espíritos mais dignos da admiração e da
veneração universais; entretanto, todos esses esforços conjugados mais não
conseguiram, senão proclamar a impotência dos nossos adversários.
É dentro dessa luta incessante contra os
preconceituosos firmados, contra erros acreditados, que se aprende a conhecer
os homens. Eu sabia, ao consagrar-me à obra da minha predileção, que me expunha
ao ódio, à inveja e ao ciúme dos outros. O caminho se achava inçado de
dificuldades que de contínuo se renovavam. Nada podendo contra a doutrina,
atiravam-se ao homem; mas, por esse lado, eu me sentia forte, porque renunciara
à minha personalidade.
Que importavam os esforços da calúnia; a minha
consciência e a grandeza do objetivo me faziam esquecer de boa vontade as urzes
e os espinhos da estrada. Os testemunhos de simpatia e de estima, que recebi
dos que me souberam apreciar, constituíram a mais estimável recompensa que eu
jamais ambicionara. Mas, ah! quantas vezes teria sucumbido ao peso da minha tarefa,
se a afeição e o reconhecimento de muitos não me houvessem feito olvidar a
ingratidão e a injustiça de alguns, porquanto, se os ataques contra mim
dirigidos sempre me encontraram insensível, penosamente magoado me sentia, devo
dize-lo, todas as vezes que descobria falsos amigos entre aqueles com quem mais
contava.
Se é justo censurar os que hão tentado explorar
o Espiritismo ou desnatura-lo em seus escritos, sem o terem previamente
estudado, quão mais culpados não são os que, depois de lhe haverem assimilado
todos os princípios, não contentes de se lhe apartarem do seio, contra ele
voltaram todos os seus esforços! É, sobretudo, para os desertores dessa
categoria que devemos implorar a misericórdia divina, pois que apagaram
voluntariamente o facho que os iluminava e com o qual podiam esclarecer os
outros. Eles, por isso, logo perdem a proteção dos bons Espíritos e, conforme a
triste experiência que temos feito, bem depressa chegam, de queda em queda, às
mais críticas situações! Desde que voltei para o mundos dos Espíritos, tornei a
ver alguns desses infelizes! Arrependem-se agora; lamentam a inação em que
ficaram e a má-vontade de que deram prova, sem lograrem, todavia, recuperar o
tempo perdido!...
Tornarão em breve à Terra, com o firme propósito
de concorrerem ativamente para o progresso e se verão ainda em luta com as
tendências antigas, até que definitivamente triunfem.
Fora de crer que os espíritas de hoje,
esclarecidos por esses exemplos, evitariam cair nos mesmos erros. Assim, porém,
não é. Ainda por longo tempo haverá irmãos falsos e amigos desassisados; mas,
tal como seus irmãos mais velhos, não conseguirão fazer que o Espiritismo saia
da sua diretriz. Embora causem algumas perturbações momentâneas e puramente
locais, nem por isso a doutrina periclitará.
Ao contrário, os espíritas transviados bem
depressa reconhecerão o erro em que incidiram e virão colaborar com maior ardor
na obra por um instante abandonada e, atuando de acordo com os Espíritos
superiores que dirigem as transformações humanitárias, caminharão a passo
rápido para os ditosos tempos prometidos à Humanidade regenerada."
Allan Kardec, Paris, novembro de 1869.
Do Livro: Obras Póstumas-Editora Virtude Livros.
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